Por Neylson Crepalde
Março, 2023 – Com o avanço das inteligências artificiais generativas, a discussão sobre seu uso e impactos se intensificou. As duas estrelas do momento são o ChatGPT (IA capaz de gerar qualquer tipo de texto de maneira bastante convincente) e o Stable Diffusion (IA capaz de gerar imagens de acordo com alguma prescrição do usuário). Recentemente, foi lançado pela OpenAI a nova versão do modelo de base do ChatGPT, o GPT-4, que funciona de maneira multimodal, ou seja, é capaz de lidar com texto e imagem ao mesmo tempo. Embora os avanços dessas tecnologias sejam bem recentes, a discussão sobre o impacto no estilo de vida das pessoas e no mercado de trabalho são antigas.
Um argumento recorrente é o de que “as pessoas serão substituídas pela IA”. Esse argumento acompanha um sentimento de “medo” frente a uma “ameaça” que a IA representa. Contudo, defendo aqui que uma visão mais adequada da IA é enxergá-la como uma ferramenta, como algo a ser utilizado para potencializar o trabalho e gerar valor mais rápido no contexto organizacional. O prof. Diogo Cortiz argumentou recentemente que as IA’s generativas não possuem qualquer consciência do problema que visam resolver. Antes, elas atuam como um papagaio que repete o que aprendeu sem de fato entender o que diz (embora tenham sido treinadas com uma quantidade exorbitante de dados).
O que o ChatGPT sabe fazer, na verdade, é ordenar palavras de acordo com os padrões que identificou em seus dados de treinamento. É possível, inclusive, que ele gere informações não verdadeiras, pois diferente do Google, que é uma ferramenta de busca, ele apenas gera texto. No entanto, é inegável o valor que ele pode trazer acelerando a produção de textos no contexto jurídico.
Para fazer um teste, pedi ao ChatGPT que gerasse duas petições iniciais para mim, uma de um “processo trabalhista pedindo pagamento de FGTS atrasado” e outra “de um processo de divórcio pedindo guarda de uma criança do sexo masculino de 7 anos para o pai”, duas situações fictícias pensadas apenas para os fins desse texto. O resultado foi impressionante (conteúdo transcrito no anexo). A IA foi capaz de gerar um texto que, embora seja necessário a adaptação, representa facilmente mais de 80% do trabalho realizado. Em outro contexto, pedi ao ChatGPT que me explicasse como resolver um problema complexo de tecnologia e a IA não apenas me explicou o problema de maneira detalhada como também gerou códigos para que eu criasse a solução desejada.
Obviamente, tudo que é gerado deve passar pela avaliação humana tanto para identificar erros quanto para fazer adaptações necessárias. Mesmo assim, é inegável o ganho de tempo para a produção desse tipo de solução. De fato, diversas atividades serão automatizadas e executadas por robôs e IA’s. Contudo, não há pensamento, não há autonomia, não há criatividade envolvida. Os seres humanos que vão sair à frente são aqueles versados nessa nova ferramenta de trabalho.
ANEXO
CONVERSA
Neylson – Chat, escreva uma petição inicial de um processo trabalhista pedindo pagamento de FGTS atrasado.
ChatGPT – Certamente, irei ajudá-lo(a) a elaborar uma petição inicial de processo trabalhista para cobrança de FGTS atrasado. Abaixo segue um modelo de petição para você adaptar de acordo com o seu caso:
[SEU NOME], brasileiro(a), [ESTADO CIVIL], [PROFISSÃO], portador(a) do RG nº [SEU RG] e CPF nº [SEU CPF], residente e domiciliado(a) na [SEU ENDEREÇO], por intermédio de seu advogado abaixo assinado (procuração em anexo), vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, propor a presente:
AÇÃO DE COBRANÇA DE FGTS ATRASADO
Em face de [NOME DA EMPRESA], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº [NÚMERO DO CNPJ], com sede na [ENDEREÇO DA EMPRESA], pelos motivos que passa a expor:
DOS FATOS
O autor trabalhou para a empresa ré, no período de [PERÍODO TRABALHADO], na função de [CARGO OCUPADO], percebendo a remuneração mensal de [SALÁRIO RECEBIDO].
Durante todo o período de trabalho, a empresa ré não efetuou o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) do autor, o que viola o que estabelece a Lei nº 8.036/90.
O autor procurou diversas vezes a empresa ré para que a mesma realizasse o pagamento do FGTS devido, mas não obteve êxito em suas tentativas.
DO DIREITO
A empresa ré está obrigada a realizar o pagamento do FGTS, conforme estabelecido no artigo 15 da Lei nº 8.036/90. Além disso, o não pagamento do FGTS constitui falta grave, conforme estabelecido no artigo 28 da referida lei.
Por isso, o autor tem o direito de receber o valor correspondente ao FGTS devido durante o período trabalhado.
DO PEDIDO
Diante do exposto, requer:
- a) A condenação da empresa ré ao pagamento do valor correspondente ao FGTS atrasado, relativo ao período de [PERÍODO TRABALHADO], no valor de [VALOR DO FGTS];
- b) A condenação da empresa ré ao pagamento de juros e correção monetária, desde a data do vencimento de cada parcela não paga, na forma da legislação vigente;
- c) A condenação da empresa ré ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
DOS MEIOS DE PROVA
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente pelo depoimento pessoal do representante legal da empresa ré, oitiva de testemunhas, documentos e demais provas em direito admitidas.
Dá-se à causa o valor de [VALOR DA CAUSA].
Termos em que, requer a citação da empresa ré, para que, querendo, apresente resposta, sob pena de revelia, e ao final, seja a presente demanda julgada procedente, com a consequente condenação da ré.
Neylson – Chat, escreva uma petição inicial de um processo de divórcio pedindo guarda de uma criança do sexo masculino de 7 anos para o pai.
ChatGPT – Exmo(a). Sr(a). Juiz(a) de Direito da __ª Vara de Família da Comarca de [cidade/estado],
[Nome completo do requerente], brasileiro, maior, [profissão], inscrito no CPF sob nº [número do CPF], portador da Carteira de Identidade nº [número da identidade], residente e domiciliado na [endereço completo], por meio de seu advogado, [nome completo do advogado], inscrito na OAB/[sigla do estado] sob o nº [número de inscrição na OAB], com escritório profissional na [endereço completo do escritório do advogado], vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, ajuizar a presente Ação de Divórcio com Pedido de Guarda de Filho Menor, nos termos do artigo 226, §6º, da Constituição Federal, combinado com os artigos 1.571 a 1.582 do Código Civil, em desfavor de [nome completo do(a) cônjuge], brasileiro(a), maior, [profissão], inscrito(a) no CPF sob nº [número do CPF], portador(a) da Carteira de Identidade nº [número da identidade], residente e domiciliado(a) na [endereço completo].
I – Dos Fatos
O requerente e a requerida casaram-se no dia [data do casamento], em regime de comunhão parcial de bens. Dessa união nasceu um filho, [nome completo do filho], do sexo masculino, com [idade atual do filho] anos de idade, conforme se comprova com a certidão de nascimento anexa.
Os requerentes sempre tiveram uma relação conturbada, marcada por desentendimentos e discussões constantes, o que tornou insuportável a continuidade da convivência conjugal.
Diante da situação de conflito, o requerente saiu do lar conjugal em [data da separação], desde então, o menor vem residindo com sua mãe. Contudo, o requerente, desde a separação, tem mantido contato frequente com o filho, tendo-o em seus cuidados em diversos momentos.
Nesse contexto, o requerente entende que a guarda do filho deve ser atribuída a ele, tendo em vista que possui condições psicológicas, financeiras e sociais para tanto. O requerente tem vínculo afetivo estreito com o filho e está disposto a prover tudo o que for necessário para seu desenvolvimento saudável.
II – Do Direito
O presente pedido encontra respaldo nos artigos 1.583 e seguintes do Código Civil, que dispõem sobre a guarda de filhos, bem como na legislação brasileira que assegura o melhor interesse da criança como principal critério para a solução de questões relacionadas à guarda.
O requerente possui plenas condições de oferecer ao filho um ambiente seguro, afetivo e propício ao seu desenvolvimento integral. Além disso, é importante destacar que a guarda compartilhada não é possível no caso concreto, tendo em vista que os requerentes não têm relação de comunicação e diálogo.
III – Do Pedido
Diante do exposto, o requerente requer que Vossa Excelência se digne a:
- a) Declarar a dissolução do casamento…