Na última coluna comentei sobre a ligação entre o Design e o Direito para a inovação na gestão jurídica. Nesta, complementando, o assunto é como essa relação entre as duas ciências e áreas de atuação aconteceu, dentro da academia jurídica, na faculdade de Stanford, e de que forma e quantidade foi importada pelas faculdades de direito do Brasil.
Legal Design Lab
A ideia de uma disciplina chamada de Legal Design, que uniria design thinking (abordagem do design ou pensamento do design, em português) e direito, ocorre com a fundação do Legal Design Lab (Laboratório de Legal Design), dentro da Stanford Law School and Stanford University’s Institute of Design, no ano de 2013.
O laboratório se define, em seu site, como um time interdisciplinar que trabalha com intersecção entre o “Design Centrado no Ser Humano (HCD)”, a tecnologia e o direito.
O “Design Centrado no Ser Humano (HCD)” uma das abordagens que transcendem o design visual ou de produtos para colocar o design como um processo que busca melhoria na vida das pessoas. Existem distinções entre termos e até mesmo entre os processos de cada uma das abordagens, mas que não julgo importante para a coluna no momento.
O ponto de encontro entre o “Design Centrado no Ser Humano (HCD)”, a tecnologia e o direito têm como objetivo construir uma nova geração de produtos e serviços jurídicos a fim de tornar o sistema de direito civil mais acessível e igualitário. Para isso, definem três missões: a) treinar profissionais e estudantes em design centrado no ser humano e em tecnologias de interesse público; b) desenvolver novos modelos de serviços jurídicos, mais acessíveis, envolventes e amigáveis e; c) pesquisar caminhos para tornar o direito civil mais simples e equitativo.
Desta forma, conforme eu já havia comentado na coluna anterior, o Legal Design está numa posição de gênero, que possui diversas espécies, entre elas, por exemplo, o Visual Law. Isto porque a inovação, em qualquer área, não depende apenas de novas tecnologias, mas muito mais de pesquisa para que se encontre problemas e necessidades de produtos e serviços que nem mesmo os seus usuários saibam precisar.
Assim, as três missões do Legal Design Lab de Stanford abarcam não apenas a criação de novos produtos e serviços, mas o treinamento de profissionais e estudantes e a pesquisa. O fato de o laboratório ter sido criado dentro da academia é sintomático para demonstrar como a inovação não é apenas uma questão de criação de novos produtos e serviços, mas de estudo e preparação dos profissionais para melhor uso dessas ferramentas, de modo que cumpram um verdadeiro papel de inovação, e não apenas de mero incremento, visto que a inovação é uma nova tecnologia que melhora a forma como as pessoas vivem e trabalham. Já o incremento está focado apenas em apresentar uma novidade que não muda a dinâmica dos produtos.
Design e Direito dentro das escolas de Direito brasileiras
Não é preciso dizer que o contexto da justiça e da educação jurídica entre o Brasil e os Estados Unidos é totalmente diferente. Para começar, os norte-americanos utilizam um sistema chamado de Common Law, enquanto aqui nosso direito é baseado na Civil Law. Devemos pensar que um sistema baseado em mais flexibilidade e no direito comum é mais adequado para inovações.
Dito isso, meu objetivo com esta coluna é saber como a academia jurídica brasileira tem pensado a inovação jurídica a partir do design, uma das abordagens para inovar.
Eu me formei em 2014, e não tive acesso, na graduação, a nenhuma disciplina sobre gestão jurídica ou mesmo sobre inovação no setor. Mas, para não fazer uma análise apenas com base na minha experiência, fui pesquisar a grade horária dos cursos de direitos aqui na minha cidade, Curitiba, a fim de tentar descobrir o quanto o assunto é abordado ultimamente. Minha pesquisa levou em consideração oito faculdades (PUC-PR, FAE, UFPR, UNINTER, UNICURITIBA, UNIBRASIL, UNICESUMAR, UNIVERSIDADE POSITIVO).
Das faculdades mencionadas a que demonstrou maior preocupação com o design e o direito foi a PUC-PR. Em sua grade do curso de direito, desde o primeiro período, há uma disciplina chamada “Programa de Design de Carreira Jurídica” que envolve, a cada semestre, sucessivamente: “autopercepção consciente”, “autorregulação das emoções e protagonismo”, “comunicação”, “criatividade” e “carreiras jurídicas tradicionais”. A partir do 6º período, há a disciplina “Mentoring em carreira jurídica” que aborda no 6º período “um olhar de negócios – tendência e disrupção”, e no sétimo e oitavo período a criação de um plano de ação.
O design thinking tem por objetivo oferecer novos serviços e produtos que melhorem a vida das pessoas e as formas como elas se relacionam com eles. No entanto, o programa da PUC-PR está focado mais na carreira individual do aluno do que na promoção de um direito inovador – que traga mais igualdade ou acesso à justiça, que torne o direito mais amigável. No entanto, focar no aluno, em sua comunicação e criatividade, já é um bom passo para atingir os objetivos mais coletivos. Gerar uma autopercepção consciente é uma boa forma de partir dos indivíduos para a percepção do coletivo e das necessidades das pessoas.
A FAE, faculdade ligada ao Grupo Bom Jesus, que sempre teve sua formação ligada ao empreendedorismo (FAE significa Franciscana, Ampla e Empreendedora), também conta com duas disciplinas ligadas à gestão em seu curso de direito: a disciplina de empreendedorismo e um laboratório de inovação no direito. Já a Universidade Positivo (UP) traz em sua matriz curricular as disciplinas de “direito, tecnologia e futuro humanos”, “projeto de inovação”, “advocacia sustentável” e “projeto empreendedor”.
Apontada pela Folha de São Paulo como a melhor faculdade de direito do Brasil em 2017, a UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais – não oferece nenhuma disciplina em sua grade horária que esteja relacionada com a inovação e com o design jurídico. A UNB – Universidade de Brasília – e a USP – Universidade de São Paulo – também não apresentam entre suas disciplinas obrigatórias nenhuma disciplina focada nos temas.
Laboratórios de Legal Design no Brasil
Como projetos de extensão, no entanto, algumas escolas de direito importaram o conceito de laboratório de Legal Design da escola de Stanford. É o caso da Universidade de São Paulo (USP). No site do Laboratório, é possível identificar a criação do laboratório como projeto interdisciplinar entre os cursos de direito, instituto politécnico e a faculdade de arquitetura, urbanismo e design. Ainda que o laboratório busque ampliar o acesso à justiça de grupos vulneráveis, não há comunicação de nenhum projeto desenvolvido, por enquanto. Entendo que o progresso não ocorreu até o presente momento porque as necessidades e demandas são invisibilizadas pelo sistema judiciário como um todo.
A Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo também possui um laboratório de inovação, que está mais focado em temas como Proteção de Dados, tecnologia e empreendedorismo e tem como seu principal produto o podcast LabSquad. Também não encontrei nenhum projeto de inovação focado no acesso à justiça e na equidade entre os serviços e produtos pesquisados dentro do laboratório.
Outro projeto é da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que tem por objetivo “oferecer soluções que melhorem a compreensão dos documentos jurídicos para a comunidade em geral”.
Qual o papel das Escolas de Direito?
Claro que as escolas de direito, como todas as entidades de educação superior, bem como o Estado em seu poder regulamentador, encontram-se num dilema de difícil solução: devem formar empreendedores, profissionais, técnicos ou cientistas? Em discurso de posse, o presidente Jair Bolsonaro defendeu que a escola deveria focar na formação de profissionais técnicos. Nos anos seguintes o investimento em ciência foi diminuindo. Há uma percepção de que o aluno deve aprender, desde a escola básica, uma profissão e a empreender, e não a se tornar um cientista.
Meu ponto de vista é que este dilema poderia ser solucionado com cursos específicos para cada uma dessas áreas, assim como existem mestrados e doutorados acadêmicos e profissionais, e cursos de bacharelado e licenciatura. Ou seja, poderia haver maior abertura para cursos de formação não de bacharéis em direito, mas de pessoas que desejam ser juízes, promotores ou advogados. Formaríamos profissionais mais adequados para cada uma das funções e abriríamos mais espaço, dentro das universidades, para as disciplinas chamadas de propedêuticas, que muitas vezes são relegadas pelos estudantes e até mesmo pelo corpo docente. Mas, isso é apenas uma opinião.
Para concluir, vemos que, embora a maioria das pessoas formadas em direito não tenham tido acesso a projetos e disciplinas voltadas à inovação e ao empreendedorismo quando estavam na faculdade, a tendência é que essas disciplinas apareçam cada vez mais já na graduação.
É preciso observar até que ponto essa inovação está sendo focada na busca de soluções que melhorem o acesso à justiça e igualdade ou são apenas projetos que visam trazer tecnologia para dentro do direito, sem refletir em como essas inovações melhoram o direito.
Por isso, uma reflexão: por que temos tantos bacharéis e cursos de direito e ainda não alcançamos a justiça?