Por Rafhael Camargo
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou recentemente um estudo da série “radar tecnológico” com o tema “Cidades Inteligentes”, também conhecidas como cidades conectadas ou cidades digitais que são caracterizadas pelo uso extensivo de tecnologia e dados para melhorar a qualidade de vida, a eficiência na gestão de recursos e a sustentabilidade urbana.
O objetivo é transformar as cidades através do uso de tecnologia avançada com dispositivos conectados e análise de dados para fornecer serviços urbanos mais eficientes e personalizados. Nas chamadas “cidades inteligentes” há, inevitavelmente, uma preocupação sobre a privacidade e proteção de dados pessoais, objeto da análise deste artigo.
A tecnologia envolvida
A tecnologia de internet das coisas (IoT) consiste na conexão de objetos físicos com a rede mundial de computadores, permitindo a coleta, o processamento e o compartilhamento de dados. Essa tecnologia tem o objetivo de desenvolver soluções inovadoras e eficientes para os problemas urbanos e pode ser aplicada em diversos setores como saúde, educação, transporte, segurança e meio ambiente. Assim, surge o conceito de “cidades inteligentes”, que são aquelas que utilizam a IoT para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e a gestão pública.
O propósito no uso desta tecnologia é captar dados (inclusive pessoais), através de sensores espalhados pelas cidades que são transmitidos até um local de processamento para os gestores possam tomar decisões que visam melhorar a vida dos cidadãos.
Alguns exemplos de uma infraestrutura baseada na tecnologia de IoT são dispositivos de localização, leitores automáticos de placas de veículos, sensores de luminosidade, câmeras de vigilância, medidores de tráfego de pedestres, monitores de condições ambientais, como a qualidade do ar e nível de ruídos, detectores de tiros de arma de fogo para fins de ações policiais, dentre outros.
No entanto, o uso da IoT pelo setor público também traz desafios relacionados à proteção de dados pessoais dos indivíduos, que são aqueles que identificam ou tornam identificável uma pessoa natural. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que entrou em vigor em 2020, estabelece princípios, direitos e deveres para o tratamento de dados pessoais no Brasil, inclusive pelo Poder Público. A LGPD tem como base o respeito à privacidade, à autodeterminação informativa, à liberdade de expressão e à defesa do consumidor.
Desafios para o tratamento de dados pessoais correto
Alguns dos desafios para o tratamento de dados pessoais pelo setor público são:
– Definir as bases legais adequadas para cada finalidade do tratamento, que podem ser o consentimento do titular, o legítimo interesse do controlador ou do terceiro, o cumprimento de obrigação legal ou regulatória ou a execução de políticas públicas.
– Observar os princípios da finalidade, da adequação, da necessidade, da transparência e do livre acesso, garantindo que os dados sejam tratados de forma compatível com as finalidades informadas aos titulares e que estes possam exercer seus direitos de confirmação, acesso, correção, portabilidade, eliminação e revogação do consentimento.
– Estabelecer medidas de segurança e prevenção contra incidentes envolvendo dados pessoais, como vazamentos, acessos não autorizados ou uso indevido. Em caso de violação da segurança dos dados, o controlador deve comunicar à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e aos titulares afetados.
– Formalizar e registrar as operações de compartilhamento de dados pessoais com outros órgãos ou entidades públicas ou privadas, especificando o objeto, a finalidade, a base legal, a duração e as responsabilidades dos envolvidos.
– Conciliar as normas de proteção de dados pessoais com as normas de acesso à informação pública, respeitando os limites impostos pela LGPD e pela Constituição Federal.
– Dar transparência sobre todo o tratamento de dados pessoais aos titulares, com o objetivo de informar como os dados são tratados e quais as garantias estabelecidas. Um caso a ser avaliado sobre o tema é o do metrô de São Paulo, que você pode ler aqui.
IoT no mundo
Alguns exemplos de países que implementaram soluções baseadas em IoT para desenvolver cidades inteligentes são:
– Singapura: criou uma plataforma chamada Smart Nation Platform (SNP), que integra sensores e câmeras espalhados pela cidade para coletar dados sobre tráfego, clima, energia e segurança. Esses dados são usados para otimizar os serviços públicos e melhorar a mobilidade urbana.
– Barcelona: implantou um sistema chamado Sentilo, que conecta mais de 12 mil dispositivos IoT para monitorar aspectos como iluminação pública, estacionamento, irrigação e gestão de resíduos. Esses dados são usados para reduzir custos operacionais e emissões de carbono.
– Amsterdam: lançou um projeto chamado Amsterdam Smart City (ASC), que envolve mais de 100 iniciativas colaborativas entre cidadãos, empresas e governo para promover a sustentabilidade, a inovação e a participação social. Algumas dessas iniciativas são o uso de painéis solares nas casas, o compartilhamento de carros elétricos e o uso de aplicativos para incentivar o consumo consciente.
Conclusão
Portanto, o tratamento de dados pessoais pelo setor público usando a tecnologia IoT pode trazer benefícios para o desenvolvimento das cidades inteligentes, sendo uma excelente forma de permitir o progresso e desenvolvimento, com mais possibilidade de tomada de decisão baseada em informações precisas, mas também requer cuidados para garantir a conformidade com a LGPD e o respeito aos direitos dos titulares dos dados.